13/10/2015


O piano.






Maria segurou, com firmeza, a mão do pequeno Gabriel.
Atravessou a estrada, perigosa, àquela hora da tarde. O menino não estava habituado a tanto movimento.
Quando chegaram ao outro lado, Maria apurou os sentidos, e, murmurou:
- O avô está a tocar piano. Ainda bem, vais ter oportunidade de o ouvir. Há muito tempo que não o fazia...

Gabriel perguntou:
- Está embriagado, mamã?

Maria olhou, para o filho, com admiração espelhada no rosto.
- Acho que não. Porque perguntas?
- Porque o meu irmão diz que o avô só toca quando está embriagado. - respondeu Gabriel fitando a mãe.

- Não sei o que o teu irmão te disse mas o meu pai, em tempos, foi um grande pianista. Foi ele que ensinou o teu irmão a tocar...
- Eu sei. O João deixou de gostar de tocar piano quando viu o avô bater na avó. - respondeu Gabriel começando a chorar.

Maria não queria acreditar no que estava a ouvir. Fantasmas bailaram na sua cabeça. Recordações saltaram da caixa.
Agachou-se. Puxou o filho para junto de si, e, perguntou:
- Queres falar?

- Não é preciso. Só sei que o João veio ter com o avô, ele estava a tocar... mas estava diferente. A avó ofereceu-lhe um chá e ele bateu-lhe na mão. O chá espalhou-se no chão. Ele começou a gritar muito. O João fugiu.

- Mas filho isso pode ter sido só uma pequena zanga. - disse Maria com meiguice.
- Não, mãe. O João não gostou do que viu. Ele ficou muito triste.
Maria, mais uma vez, recolheu as suas lágrimas. Sem quaisquer certezas voltou para trás. Não largou a mão do filho.

Nesse instante compreendeu o filho mais velho. Muito mais proveitoso contratar um professor, e, ter uma conversa, de verdade, sem mentiras.
E, mentalmente, avaliou e confirmou a verdadeira razão pela qual o piano lhe trazia tão más recordações.

Violência doméstica e alcoolismo provocam marcas dolorosas na alma e no coração das pessoas. Transformam coisas agradáveis e bonitas em coisas muito, muito feias.